quarta-feira, 28 de março de 2007

O inferno são os outros?



Sim meus caríssimo, o inferno são os outros, mas o pecador somos nós.

Ontem, o Presidente da República afirmou que a culpa pela crise nos aeroportos é responsabilidade dos governos que o antecederam. Nas palavras do chefe: "Os outros não fizeram aquilo que deveriam ter feito ao longo de anos". O desabafo presidencial me fez lembrar do Sr. Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905-1980), de fato "o inferno são os outros".

A filosofia de Sartre apregoa que o universo é composto de dois tipos de seres; o seres Em-si e os seres Para-si. Resumidamente os seres Em-si. possuem uma essência definida, não possuindo potencialidades nem consciência de si ou do mundo. O ser Em-si apenas é. Já os serem Para-si, e aí estão incluídos todos os homens e mulheres, não têm uma essência definida, definindo e redefinindo a cada momento sua essência. Cada pessoa só tem como essência imutável, aquilo que já viveu, o pretérito. Em outras palavras, eu e você somos neste momento aquilo que fizemos, aquilo que passou. Porém, nada nos impede de sermos algo diferente no momento seguinte, isto é podemos a cada segundo, ou melhor a cada decisão e escolha mudar a nossa essência. Por isso, Sartre atribuía a cada ser Para-si a incondicional liberdade de fazer de si o que quiser.

Isso significa que cada pessoa pode a cada momento escolher o que fará de sua vida, sem que haja um destino previamente concebido. Somos portanto produtos de nossas escolhas. E mais o mundo é produto de nossas próprias escolhas. Sartre afirma que todos os seres Para-si se orientam fundamentalmente para um projeto específico: a auto-realização. Isto é, o ser Para-si sonha em ser uma pessoa que já realizou todas as suas potencialidades, todos os seus projetos. Ao realizar tudo o que podia o ser Para-si esgota suas potencialidades, tornando-se um ser Em-si, mas sem abandonar a consciência de nós mesmo e do mundo, tornando-se um ser em-si e para-si.

Obviamente, qualquer ser Para-si tem que enfrentar uma série de limitações e contingências para atingir o projeto fundamental. Essas limitações e contingências, no entanto, não podem ser entendidas como uma restrição à liberdade. Ao contrário, para Sartre as limitações impõe ao ser alternativas a cada um e cada um é livre para escolher dentre as alternativas a sua. A verdadeira liberdade não é fazer qualquer coisa, mas é escolher fazer qualquer coisa. Entendida assim, a liberdade é uma condição inalienável de todo ser Para-si.

A liberdade é acompanhada de responsabilidade. Cada escolha possui repercussão e é responsabilidade de quem escolheu. Uma vez que as repercussões das escolhas individuais interferem de forma irrevogável no mundo, cada indivíduo é responsável por todo o mundo. A consciência da responsabilidade acaba por trazer a todo ser Para-si o sentimento de angústia. Para fugir da angústia o ser Para-si acaba recorrendo a má-fe. Isto é, ele renuncia à própria liberdade, fazendo escolhas que o afasta do projeto fundamental e atribuindo conformadamente estas escolhas a fatores externos, ao destino, a Deus, aos astros e aos outros.

Caríssimo leitores, é claro que os outros interferem e provocam mudanças no mundo, alterando a disposição das alternativas que se apresentam a nós em nosso exercício de liberdade. Porém, ainda somos nós os responsáveis pelas escolhas que fazemos. Sabe aquela estória da limonada e dos limões, pois é. Se o inferno são os outros, é porque é através do olhar do outro que compreendemos e tomamos consciência de nossas próprias escolhas e de suas repercussões. Aconselho o chefe, na próxima viagem, a fazer um passeio pelos saguões dos aeroportos brasileiros, acho que ele vai se entender melhor.

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