domingo, 8 de abril de 2007

A essência das coisas.


Quem me conhece pode confirmar: adoro música, sempre gostei e escuto de tudo. Com o tempo os CDs (sou da primeira geração majoritariamente CD ao contrário de meus primos e primas que ainda viveram a era LP) foram se somando em pilhas de pequenos tomos coloridos. A coleção foi crescendo, mesmo que de forma mais lenta do que a desejada e passei a cultivar um orgulho pelos meus pequenos objetos tecnológicos. A coleção foi esquematicamente organizada nas prateleiras por gênero, artista e ano; uma verdadeira obra de lógica arquivista, onde selecionar uma gravação se tornava algo simples e automático, pelo menos para mim. E aí, Roma caiu.


Com o passar do tempo fui contagiado pelo
fetichismo da caixa e do encarte do CD. A música então se tornou secundária, quase um bônus, o prazer estava em acompanhar o desenvolvimento daquele painel colorido que se desenvolvia a cada inclusão de um novo disco. Colocá-los um ao lado do outro já proporcionava a satisfação daqueles 20 reais e tirá-los do lugar parecia um sacrilégio, uma perturbação à harmonia do universo. Cheguei ao cúmulo de comprar pastas para colocar os discos e assim manter as esculturas das caixinhas intactas. O processo de assentamento de novas aquisições nas prateleiras começou a ser demorado e, em algumas vezes, angustiante. Por vezes o novato aguardava duas semanas ou mais para enfim ser acolhido no seio da comunidade das prateleiras. Durante esse tempo o novo CD ficava ali de lado, como se esperando a decisão de um velho conselho de sábios para finalmente ser aceito no clube. Alguns sem terem a oportunidade de serem ouvidos, permaneciam imaculados em suas embalagens plásticas. Que delícia!

O
fetiche então enfrentou a dura realidade da limitação de espaço e da realidade de novas prioridades de consumo. O tempo da orgia fonográfica "juvesenil" estava sendo ofuscado pela invasão das fraldas e roupinhas de bebê. Não demorei a perceber: Constantinopla fora tomada por infiéis. Uma nova era surgira onde álbuns de fotos, brinquedos e DVDs da Disney tomaram o lugar de destaque nas prateleiras do novo tempo. Curiosamente a música renasceu no cotidiano, agora em nova roupagem: em forma de bits virtualmente copiados, sem capinhas de acrílico, sem encartes impressos em papel quadrado nem tampouco lacrados em plástico transparente. Agora, a música era uns apenas uns códigos binários, comprimidos em mp3, presente na memória do computador. A Bastilha caíra e outra era surgira no horizonte.

A maravilhosa novidade recuperou a essência das coisas, ou pelo menos a da música. A música deixou de ficar pressa na caixinha e ganhou liberdade. Agora ela vai e volta comigo ao trabalho, acompanha-me na corrida matinal, na ida à festinha infantil do outro lado da cidade etc. As prateleiras foram reduzidas a
gigabytes de memórias que selecionadas aleatoriamente colocam em seqüência antigos CDs separados há muito tempo por uma lógica ultrapassada sem o mínimo sentido nesta era de modernidade...

Olho em volta para as bolsas e sapatos
e aguardo pela próxima revolução...

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